terça-feira, 27 de outubro de 2015

Um ENEM da direita para agradar à esquerda

O ENEM de 2015 foi elaborado no intuito de dificultar o desempenho dos alunos das camadas populares, pois, neste ano, para o candidato ter direito ao financiamento do FIES, seu desempenho no exame deve ser de 450 pontos e não ter zerado a redação.



Houve uma questão sobre um poema de Olavo Bilac em que foi pedido ao aluno reconhecer através do poema a ideologia ufanista da Primeira República. Imagino o aluno de uma escola estadual de SP, onde as cartilhas porcamente abordam o tema literário, como ele deve ter quebrado a cabeça até decidir chutar tal questão.



Outra questão, abordava o pensamento do esloveno Slavoj Zizek, um filósofo contemporâneo ainda descobrindo o fundamento e a proposta de sua filosofia que se delineia mais concretamente em seus últimos livros. Assim, duvido que Zizek esteja em alguma página de algum livro usado por alguma instituição de Ensino Médio deste país.

O leitor mais atento pode assinalar que a questão era interpretativa. Sim, há de se concordar, mas o leitor que saia pelas escolas do país a entrevistar os alunos e lhes pergunte o significado da palavra alteridade. Certamente se decepcionará com o desconhecimento da linguagem culta dominada apenas pela elite econômica e por uma elite intelectual.

Simone de Beauvoir, Weber, Sevcenko, Paulo Freire (este me surpreendeu, já que pedagogia não é disciplina do Ensino Médio) são autores pouco ou nunca abordados em escolas.



E eis que por conta de tais nomes, direita e esquerda se digladiam em torno de meros símbolos, simulando uma luta de classe no espaço de papel de uma prova. A direita patética ao ver em poucas questões uma doutrinação marxista em nomes que nem marxistas se diziam. E a esquerda sendo escrota a comemorar tais nomes nas questões, enquanto que o alunado pobre, que sabe que o acesso ao ensino superior é uma engrenagem de ascensão social na forma como nossa sociedade se estrutura, e, alheio a esses símbolos, se depara com uma prova totalmente excludente.



Ou seja, a esquerda, ou grande parte dela, se isentou de fazer a crítica correta, pautada na realidade e não em simulações, à uma prova feita para a direita, já que só alunos das escolas de elite tinham condições de fazer um exame daqueles, no intuito de agradar a esquerda, pois certamente a presença dos nome ligados à bandeiras progressistas foi utilizada como cortina de fumaça para que indivíduos de tal setor elogiem a prova em seu conteúdo, mas esquecendo, ou desprezando, que sua forma se pauta na ideologia meritocrática concretizando como instrumento de exclusão, dada a falência das escolas dos pobres deste país.



(via Trincheiras, Ana Silva e Anarcomiguxos)