quarta-feira, 23 de setembro de 2015

O Pedágio Social e Racial do PMDB/RJ

"E a cidade, que tem braços abertos no cartão-postal, com os punhos fechados na vida real, se nega [a dar] oportunidades; mostra a face dura do mal" (Hebert Vianna, "Alagados", 1986)



A barbárie que está acontecendo nas praias da zona sul do Rio de Janeiro é o resultado de um modelo de cidade que ainda reproduz a divisão entre a casa grande e a senzala. Uma cidade que tem duas geografias que separam diferentes categorias de ser humano: a horizontal, que divide a cidade entre os bairros "nobres" do sul, da Barra e do Recreio, e as periferias esquecidas do norte suburbano e do faroeste, entregue às milícias, e a vertical, que separa o morro do asfalto.

Nessa cidade — nessas duas cidades que convivem numa só, as pessoas continuam sendo distinguidas em duas categorias por classe e cor. Todas as políticas públicas, inclusive (e fundamentalmente) a política de segurança, estão marcadas por essa distinção.



Semanas atrás, foi notícia algo que há muito tempo acontece: a Polícia Militar do estado identificava ônibus vindos de determinados bairros da periferia e bloqueava sua chegada às praias de Copacabana e Ipanema, praticando detenções de cidadãs e cidadãos que não estavam cometendo qualquer crime, pelo simples fato de serem jovens, pobres, negros e morarem em comunidades da zona norte, zona oeste e no subúrbio da cidade.

Por incrível que pareça, o óbvio foi polêmico: a justiça ordenou que as forças de segurança cumprissem o que a Constituição e a lei mandam e se abstivessem de prender cidadãos que não eram sequer suspeitos de terem cometido qualquer delito. Parece incrível, mas precisamos esclarecer: uma pessoa não pode ser presa por nada. Não existe na legislação brasileira a prisão "por via das dúvidas" e não há 'precogs' que denunciem crimes futuros. Ser preto, preta e/ou pobre não é delito.



O secretário de Segurança do governo Pezão, Mariano Beltrame, reagiu à óbvia decisão da justiça com argumentos absurdos: disse que a polícia ficava, assim, de mãos atadas para combater o crime e garantir a segurança — a segurança das pessoas brancas de classe média que moram na zona sul e dos turistas — e perguntou aos jornalistas "Como um jovem vai à praia sem dinheiro para comer?". A pergunta é escandalosa por vários motivos.



O representante do Estado está culpando os jovens que vão à praia sem dinheiro para comer por não terem dinheiro para comer, e ao mesmo tempo está dizendo que, por esse motivo, são bandidos. Se não têm dinheiro para comer, então, com certeza, vão roubar — é o que ele disse, em outras palavras.

Ou seja, o que o Estado deve fazer com as pessoas que não têm dinheiro para comer é prendê-las ou, no mínimo, estabelecer um Apartheid policiado pela PM que as mantenha longe das áreas de lazer que ele considera exclusivas daquelas e daqueles que têm, sim, dinheiro para comer. Façamos, então, uma fronteira militarizada entre o norte e o sul.



A Prefeitura, na mesma linha, estuda mudar o trajeto das linhas de ônibus, para que não seja mais possível chegar à zona sul da cidade desde determinados bairros da periferia sem pegar, no mínimo, duas conduções.




Mas a história não acaba por aí. Logo após a decisão judicial e a negligência da PM em relação à função que lhe cabe, como providência divina (e eu aviso que aqui estou sendo irônico, já que vivemos tempos de pouca interpretação de texto), arrastões feitos por jovens pobres e pretos ou quase pretos levaram pânico aos cariocas e turistas brancos ou quase brancos que frequentam as praias da zona sul.



Pânico que, não por acaso, ganhou amplo destaque no jornalismo da Globo se compararmos com o espaço que esse mesmo jornalismo reserva às ações violentas da PM nas periferias da cidades. Beltrame explicou, novamente: a polícia tem as mãos atadas.



Como se o impedimento constitucional de praticar prisões ilegais de pessoas que não estão cometendo qualquer crime e de barrar a chegada de pobres à zona sul da cidade tivesse alguma relação com o policiamento nas praias. Como se a justiça tivesse proibido a PM fazer seu trabalho onde ele tem que ser feito.

Não, secretário Beltrame: são duas coisas diferentes. A polícia pode sim garantir a segurança das pessoas nas praias e pode sim impedir os arrastões e deter os assaltantes em flagrante. O que não pode é deter jovens num ônibus sem motivo legal. Dá para perceber a diferença?



E essa inação do Estado, somada ao discurso fascista contra os direitos humanos e as garantias constitucionais, gerou as condições para o aparecimento de uma barbárie ainda pior: gangues armadas atacaram ônibus nas proximidades da praia, praticando a violência a céu aberto, incitando à guerra social: e essas gangues que atacaram os ônibus são compostas por jovens brancos de classe média que se organizaram pelas redes sociais e contaram com a complacência de PMs, que também aí não cumpriram sua função de dar segurança aos cidadãos pobres que estavam nos ônibus.



Enquanto o governo não cumpre seu papel — tanto nas políticas de segurança democrática quanto nas políticas econômicas e sociais que reduzam a desigualdade e a violência —, todas e todos nós sofremos as consequências: quem é assaltado na praia, quem é agredido violentamente por querer ter acesso às áreas de lazer da cidade e quem é impedido de circular livremente pela sua classe social ou sua cor. Uns e outros são, de diferentes formas, vítimas das consequências do modelo de cidade da casa grande e da senzala, que em pleno século XXI, ainda não conseguimos superar.



Fontes: Jean Wyllys, Linhas de Fuga, André Matheus,  Pedro Guilherme Freire, Renato AroeiraPasse Livre RJAndré Matheus, Mariachi,  Jornal da Gazeta,  Fora Eduardo PaesBlack Bloc RJPoder Negro - Black Power

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O crime de falar mal de político do PMDB

Quer falar mal de algum político pela internet? Então prepare-se para passar até seis anos na prisão em regime fechado. Três projetos de lei estão avançando em alta velocidade neste momento na Câmara dos Deputados para aumentar penas e até mesmo transformar em crime hediondo as ofensas em alguns casos. A autora do principal deles, o projeto de lei 1.589, de 2015, é a deputada Soraya Santos, do PMDB-RJ.



Se você já ficou em alerta, saiba que o buraco é ainda mais profundo. Se o projeto for aprovado, qualquer "autoridade competente" poderá ter acesso aos dados de qualquer internauta, sem maiores controles. E mais: poderá ter acesso também ao inteiro teor das comunicações dos usuários, sem a necessidade de ordem judicial prévia.

Sabe aquelas mensagens que estão na caixa de mensagens da sua rede social favorita? O governo ou a polícia passam ter acesso direto a elas, sem controle. Cria-se assim uma república da vigilância no Brasil. Todos os cidadãos são suspeitos, e o governo ou a polícia têm acesso a tudo que se diz na internet, mesmo em comunicações privadas.

Uma das principais conquistas do Marco Civil foi estabelecer a necessidade de ordem judicial prévia para a obtenção dos dados dos usuários na rede. Criou-se assim um sistema minimamente balanceado: os provedores e sites precisam guardar os dados, mas só podem entrega-los para fins de investigação se um juiz autorizar.

Essa é a regra em todos os países democráticos. Que agora está prestes a cair por terra no Brasil.



A coisa piora ainda mais. Ofensas hoje só são investigadas e processadas se houver "queixa" do ofendido. O projeto acaba com essa necessidade. Com isso, tanto a polícia quanto o Ministério Público poderão investigar qualquer ofensa proferida na internet sem a necessidade de queixa prévia. Em outras palavras, isso transforma as autoridades públicas em advogados privados de políticos que podem usar da sua influência para intimidar quem fala mal deles na rede.




Para completar, o projeto cria também um direito para que políticos possam solicitar ao poder judiciário que sejam imediatamente apagados da internet quaisquer conteúdos que os relacionem a fatos "difamatórios ou injuriosos".

Com isso, fica oficialmente autorizado o revisionismo histórico e a possibilidade de se suprimir a memória de fatos relevantes para o país. Em um momento em que os países democráticos latino-americanos lutam pela preservação de sua memória, o projeto cria um "direito ao esquecimento" do passado.

Em suma, é como se o diretor da agência de espionagem dos Estados Unidos, a NSA, tivesse se sentado à mesa com o ditador Kim Jong-Un, da Coreia do Norte, para redigirem juntos um projeto de lei para o Brasil. Em nome da Constituição que os elegeu, os deputados federais precisam parar essa maluquice.

JÁ ERA preservar direitos fundamentais na internet brasileira
JÁ É tentativas de cercear a liberdade de expressão on-line
JÁ VEM nova onda de projetos para tentar mudar o Marco Civil e controlar a rede



Fontes: Ronaldo Lemos em Folha de S. PauloEleições 2014, Pluricom e Citizenfour

domingo, 20 de setembro de 2015

Agência de notícias internacional afirma que sistema de esgoto do Rio é medieval

Pouco mais de um mês após a agência de notícias Associated Press divulgar uma análise da qualidade da água feita em locais de competições olímpicas no Rio, que teria encontrado níveis perigosamente altos de vírus e bactérias de esgoto humano, a agência de notícias voltou a criticar a cidade.



Dessa vez, o alvo é o sistema de saneamento básico.  Um especialista em saúde pública chama o sistema de esgoto no Rio de "medieval" e o compara ao existente em metrópoles mundiais como Londres ou Paris dos séculos 14 ou 15.



E o problema não é apenas do Rio. Menos da metade dos lares em todo o Brasil estão ligados à rede de esgoto, o que significa que grande parte dos resíduos gerados por cerca de 100 milhões de pessoas atravessa valas a céu aberto que corta bairros, sujando córregos e rios que, por sua vez contaminam lagos, lagoas, praias e baías.



O texto também diz que a falta de saneamento básico influi inclusive na futuro das crianças. Especialistas em saúde pública afirmam que as crianças expostas ao esgoto adoecem com mais freqüência, têm menos probabilidade de frequentar a escola regularmente e desenvolver plenamente intelectualmente e, finalmente, acabam ficando destinado a empregos que pagam menos ao daqueles que tem origens sócio-econômicas semelhantes, mas que cresceram com saneamento básico.



Fonte: IG e Rádio Globo

sábado, 19 de setembro de 2015

#BigBrotherNÃO: Cuidado com o PL Espião

Em meio à crise política que assola o País, tramita em alta velocidade na Câmara dos Deputados proposta que, se aprovada, vai ferir de morte a segurança das comunicações, afastando as garantias trazidas pelo Marco Civil da Internet e restringindo direitos fundamentais plasmados na Constituição.

É possível dizer, sem exagero, que o PL 215/2015, de autoria Hildo Rocha (PMDB/MA), com substitutivo proposto por Juscelino Filho (PRP/MA), bem como os projetos a ele apensados - de Soraya Santos (PMDB/RJ) e Expedito Netto (SD/RO), representam uma das mais graves ameaças à liberdade de expressão e à privacidade no Brasil desde a redemocratização.



O projeto afasta a exigência de ordem judicial para o acesso a dados pessoais, bem como ao próprio conteúdo das comunicações privadas na rede por autoridades. Insere no ordenamento jurídico brasileiro o polêmico "direito ao esquecimento", que pode levar à remoção definitiva da internet de informações cruciais para o debate político. E fere o devido processo legal e a proporcionalidade na fixação e aplicação de penas para crimes de calúnia, injúria e difamação, colocando-se na contramão dos debates internacionais sobre liberdade de expressão e privacidade.

De uma tacada só, as medidas alteram o Marco Civil, o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei dos Crimes Hediondos, com impactos imprevisíveis para todo o ordenamento jurídico brasileiro.

Com tantas e tão radicais modificações, seria de se esperar que o PL 215/2015 tivesse sido submetido a numerosos debates públicos.

Pelo contrário, o projeto nem sequer passou pelas comissões que deveriam tê-lo examinado, como a de Ciência e Tecnologia e a de Direitos Humanos, e altera profundamente pontos do Marco Civil da Internet que foram objeto de ampla discussão dentro e fora do Congresso pouco tempo depois de a lei completar um ano de vigência.



Ainda que se possa argumentar que o projeto tenha apenas o objetivo de oferecer maior proteção às vítimas de ofensas à honra perpetradas na rede, as medidas propostas são claramente desproporcionais. Violam a liberdade de expressão e de imprensa em razão de seu caráter intimidatório, incentivando a autocensura e a paralisação nos processos de comunicação e debate públicos.

O projeto também fragiliza de maneira sem precedentes a privacidade dos cidadãos ao permitir o acesso direto, sem prévia análise do Judiciário, às comunicações privadas.

As propostas são flagrantemente inconstitucionais, e é motivo para escândalo que não estejam sequer sendo discutidas.



Cabe à sociedade indagar quem esse projeto favorece... Ao interesse público em geral ou àqueles que se valem das ameaças da lei para fugir do escrutínio público?

Cabe ressaltar que no Brasil o apelo a esse tipo de crime já tem sido amplamente utilizado por figuras públicas para restringir a expressão de vozes críticas online e offline, bem como o direito de informar e de ser informado.

Além disso, há um histórico não desconsiderável de utilização instrumental da defesa da honra para silenciar oposição política e o exercício das liberdades democráticas.

Caso aprovado esse obscuro projeto, cidadãos e veículos de comunicação verão da noite para o dia seus direitos fundamentais à liberdade de expressão e privacidade largamente restringidos.

Não se trata apenas de mais uma proposta de lei sobre a internet. Trata-se de um projeto que pode destruir os pilares da democracia.

FONTE: BrasilPost e Marcelo Saldanha