sexta-feira, 24 de julho de 2015

‪#‎Ibitinga: Os Leões do atraso

Para além do bafafá da reforma da fonte na praça do Coreto, o episódio e a mobilização da opinião pública pode ser útil para pensarmos a doença que deu neste sintoma. Um dos dilemas das prefeituras Brasil a fora é: o que priorizar em seus escassos orçamentos? Obras vistosas (de benefício duvidoso à população, mas de alta visibilidade) ou políticas públicas (de alto interesse público, mas de visibilidade não imediata).

A polêmica da pintura dos leões de 1917 é o esgotamento da “gestão” da maquiagem, uma marca cultural da política na cidade e talvez tão antiga quanto os próprios leões. Vale lembrar que uma das primeiras prioridades da atual gestão quando assumiu foi mudar toda a identidade visual que remetia à antiga gestão, o que consistia em criar novos logotipos, mudar as cores e, portanto pintar tudo de novo. Neste sentido a nova pintura do portal da cidade foi uma das primeiras ações. Substituindo uma maquiagem por outra. É a materialização da folclórica frase do imaginário político: mais importante do que fazer a obra é colocar a placa.
A escolha por este tipo de estratégia política pode ser explicada por dois grandes motivos: o primeiro é a agressividade do embate político na cidade (vale lembrar os episódios policiais da última disputa eleitoral e das desqualificações pessoais entre os candidatos), o que afasta as pessoas da política e do debate público. O segundo, e principal, é a combinação de uma gestão autoritária, que vira as costas para a população com uma estrutura de gestão municipal incapaz, atrasada e que bloqueia a inteligência. Felizmente Ibitinga, e ao contrário do que possa pensar nossa conformada população, não representa o universo das cidades brasileiras, ao menos em matéria de gestão, representa somente o grupo das atrasadas.
Com muito suor, mobilização social e incrementalismo a gestão pública no Brasil tem evoluído. Se casos como os de Ibitinga ainda existem também é verdade que prefeituras de todas as partes do Brasil tem sido verdadeiros laboratórios de inovação em gestão. Muitos programas bem sucedidos no governo estadual e no federal foram desenvolvidos a partir de experiências construídas em governos municipais. Poderia aqui enumerar dezenas e até centenas de experiências bem sucedidas em todas as áreas de governo e que tem nos libertado de mecanismos perversos como: falta de transparência, ausência de canais de participação social, desarticulação entre governos municipais, estaduais e federal, incapacidade administrativa, desperdício de talentos, parcerias não exercidas, gastos ineficientes, desarticulação entre as políticas públicas, estruturas que não engendram a inovação, etc. Vencer todos estes obstáculos tem se mostrado tanto possível quanto trabalhoso e que prescinde de vontade e humildade política.
Ao contrário de como faz e fez no caso da reforma da praça a prefeitura municipal deveria romper a arrogância com as chamadas “pessoas de fora da cidade”, poderia, pois, aprender com elas e abrir a cidade para ventos mais frescos e modernos. Uma gestão municipal moderna conta com inúmeros mecanismos e estratégias para a solução dos problemas. Procura construir capacidades técnicas, internamente, ao mesmo tempo em que busca coordenar e envolver cidadãos e organizações da sociedade, voltando-se para fora dos escritórios da prefeitura.
Proponho um exercício prático de gestão pública moderna partindo do próprio caso da reforma da praça. Temos um problema: uma praça degradada e com aparente deterioração do patrimônio artístico. Partindo do esforço em vencer a tentação de solução fácil de jogar uma tinta e fazer uma reforma como quem reforma uma casa alugada sem preocupação e só por obrigação, temos que identificar potenciais à nossa volta.
1 – temos um curso superior em Turismo na faculdade do próprio município, com professores, alunos e muitos egressos;
2 – existem muitas experiências interessantes para melhorar a apropriação/utilização do espaço público pela população, que vão desde soluções mais amplas como o Orçamento Participativo (onde a população escolhe coletivamente quais obras lhe são mais necessárias e urgentes) até mecanismos de autogestão de espaços públicos, onde os moradores auxiliam o poder público a cuidar dos espaços e melhorá-los;
3 – há muitos programas federais e estaduais para destinar recursos a projetos de conservação do patrimônio artístico e cultural;
4 – há todo um conjunto de leis que estimulam que empresas destinem recursos para projetos de interesse cultural, abatendo de seus impostos a pagar.
Envolver os profissionais da área de turismo seguramente permitiria a criação de um bom projeto técnico para a reforma. Criar mecanismos de participação social faz com que as pessoas apropriem-se mais das decisões e dos espaços, sentindo-se parte e mobilizando-se para dá-lo vida (não é tinta que dá vida é gente com seus sentimentos e ações). Finalmente, ter bons projetos e buscar fontes adicionais de financiamento para eles faz com que o executivo municipal consiga economizar escassos recursos, que sempre faltam para educação, saúde, habitação, etc. Por exemplo, só o que a prefeitura municipal gastou para reformar uma das praças da cidade é suficiente para construir 2 creches ou 12 casas populares (ou até mesmo 75 casas populares se usar os recursos como contrapartida para aderir ao Minha Casa Minha Vida). Aliás, até o governo estadual (do PSDB) e o governo federal (do PT) já consolidaram parceria dentro do Programa Minha Casa Minha Vida – que apesar de ser um programa federal, no estado de São Paulo o governo estadual coloca voluntariamente mais 10 mil reais para cada contrato assinado.
Como se vê o mundo lá fora, felizmente, é muito menos cinza, abramos nossas janelas e portas, como o caipira que apesar de ressabiado sabe receber uma visita como poucos.